Com três crianças em casa, o
agricultor Celso da Silva Xavier, 41 anos, disse que já teve vontade de comprar
água, mas não vê como sacrificar para isso um grande pedaço dos R$ 336 que
recebe do Bolsa Família. A última vez que o carro-pipa de programas governamentais
abasteceu a cisterna da casa dele, em Queimada Nova (PI), foi no dia 29 de
agosto. A água acabou em 13 de outubro e desde então Xavier tem ido buscar em
um barreiro, que já está prestes a secar.
Silvonete Nascimento da Silva,
29 anos, mulher de Xavier, observa com tristeza o esforço do marido para
sustentar os filhos pequenos de 2, 4 e 8 anos de idade. Ele chegou a passar
quase 15 dias na mata para buscar varas de madeira usadas para fazer cercas e
conseguiu pouco mais de 200, vendidas a R$ 0,50 cada, o que rendeu R$ 100. “Não
pode parar, né? Tem que fazer alguma coisa para sobreviver”, afirma a mulher.
Um carro-pipa com 7 mil litros
custa em média R$ 50 na região. A Organização das Nações Unidas (ONU) diz que o
ideal (ou seja, um gasto bastante racionalizado) é o consumo de 110 litros ao
dia por pessoa. Xavier teria que separar algo como um terço do que recebe do
benefício para comprar água para família em um mês.
“É o único dinheiro que a
gente tem. Se comprar água, vai faltar comida para os meninos. O dinheiro não
dá nem para fazer a feira direito. Fui atrás do pipa, mas disseram que as
fichas estavam poucas e que já tinha gente precisando mais. A gente tem que
entender que não dá para todo mundo, fazer o quê?”, diz o agricultor.
As fichas são referentes à
água entregue pelo Exército Brasileiro e pela Defesa Civil dos programas
governamentais. Segundo a agricultora Maria Francisca Pereira Ferreira, 46
anos, o que é fornecido não dá para todos, e as casas podem ficar até dois
meses sem receber nada.
Queimada Nova é uma das 203
cidades do Piauí em situação de emergência por conta da estiagem - a maior
desde 1970, segundo a Secretaria Estadual de Defesa Civil. Como milhares de
sertanejos da região mais seca do estado, os 8.700 habitantes da cidade ainda
não têm água encanada. Quando os poços secam e a ajuda demora a chegar, a única
alternativa é comprar água de carros-pipa. Para quem já vive com pouco, a
situação é dramática.
Ao todo, 938 famílias são
atendidas pelo Bolsa Família em Queimada Nova, que tem Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) 0,515, um dos mais baixos do país,
segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.
A agricultora Maria Francisca
diz que já gastou para ter algo não conseguiu consumir. “Eu já paguei R$ 50 por
um pipa e a água ainda não prestava. Perdi a que comprei e a pouca que ainda
estava na cisterna porque ela fedia a esgoto, estava estragada, não dava para
consumir”, conta.
Na casa dela, como em outras
da comunidade Serra Grande, zona rural da cidade, a imagem de São Jorge divide
a estante da pequena sala com um rádio, uma televisão e alguns CDs de romaria.
A tecnologia chegou antes da água encanada. "A distribuição de água é
injusta. Aqui a gente ainda vê que é um curral de voto. Agora na eleição teve mais
água. Tinha que investir mais em poços do que pagar pipas porque acaba não
dando para todo mundo. Acho que falta respeito e interesse”, diz.
Para não ver os animais
morrendo de sede e fome, a família de Francisca teve que vender algumas cabeças
de bode a um preço abaixo do mercado. Para dar água aos animais, a distância
até os poucos barreiros feitos na chapada chega a 12 km.
A aposentada Maria
Auxiliadora, 59 anos, viu boa parte dos filhos sair em busca de melhores
oportunidades fora do estado. Dos 10 filhos que teve apenas dois ainda moram
com ela. Os demais foram para São Paulo e Petrolina (PE). “Foram buscar vida
melhor. Aqui a gente vai tocando como dá. Quando a gente quer água melhor tem
que pagar. E todo dia tem que andar mais de dois quilômetros para dar água aos
animais e lavar a roupa. A gente vai aprendendo a viver com a dificuldade”,
conta.
Fonte: G1 Fotos: Patrícia Andrade / G1